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quarta-feira, 22 de abril de 2020

21/04: TIRADENTES | “À forca o Cristo da multidão” | Desconstruindo um mito/herói

21/04: TIRADENTES
“À forca o Cristo da multidão”

|Inconfidência Mineira: Introdução
                Estamos em uma época onde analisa-se um processo de crise no Pacto Colonial. De acordo com Boris Fausto, a colônia passa a ter interesses diferentes da metrópole ou identifica nela a fonte de seus problemas. Além disso, temos uma elite letrada, a geração de 1790 (Kenneth Maxwell), estudantes de universidades, entusiasmados com os acontecimentos da América do Norte (Revolução Americana, que culminara na independência dos Estados Unidos em 1776. Tanto que Tiradentes andava com um exemplar da Constituição Americana debaixo do braço pelas ruas de Vila Rica - atual Ouro Preto).

Em sua grande maioria, os inconfidentes constituíam um grupo da elite colonial formado por mineradores e fazendeiros, por padres envolvidos em negócios, funcionários e advogados de prestígio e uma alta patente militar. Todos eles tinham vínculos com as autoridades coloniais na capitania e, em alguns casos, ocupavam cargos na magistratura.

José Joaquim da Silva Xavier constituía, em parte, uma exceção. Desfavorecido pela morte prematura dos pais, que deixaram sete filhos, perdera suas propriedades por dívidas e tentara sem êxito o comércio. Em 1775 entrou na carreira militar, no posto de alferes, correspondente ao grau inicial do quadro de oficiais. Nas horas vagas exercia o ofício de dentista, de onde lhe veio o apelido algo depreciativo de Tiradentes. (FAUSTO, 2012, p.64)

|Inconfidência Mineira: Características
 - 1789: período que tem pouco ouro (crise), cobrança de impostos e Portugal fazendo pressão
- Através das ideias Iluministas (crítica ao Antigo Regime), os inconfidentes começaram a pensar em uma forma de separar Minas Gerais e Rio de Janeiro de Portugal.
- Obs.: era um grupo de pessoas letradas
- Queriam instalar uma República
- Inspiração: Independência Norte-Americana (Republicano) e início dos levantes civis na França.
- Não eram a favor da Abolição da Escravidão, pois libertar escravos é perder dinheiro.
- Não chegou a ser uma revolta armada; foi uma revolta conspiratória (reunião, discussão).
- Movimento de caráter elitista e separatista.
- Terminou cedo por causa de delatores (ex.: José Silvério dos Reis), porque ele temia um derramamento de sangue. Além disso, teve o perdão de suas dívidas.
- Portugal começa a perseguir os inconfidentes, visto que eles são os ‘traidores’.
- Devassa: conjunto de inquéritos de investigação feitos pela coroa com o objetivo de encontrar possíveis conspiradores com base no contexto de insatisfação e revolta da colônia em relação a Portugal.

- Objetivos:
                --- República independente de Portugal;
                --- Redução de impostos;
                --- Abertura de portos, desenvolvimento industrial e comercial;
                --- Transferência da capital para São João D’El Rei;
                --- Criação de faculdades;
                --- Nova bandeira (Libertas Que Sera Tamen – Liberdade ainda que tardia).
(Professor Admilson Costa)

|Inconfidência Mineira: Término
- Final de 1788: começam a preparar o movimento de rebeldia, visto a iminência do lançamento da derrama.
- Março de 1789: Barbacena decreta a suspensão da derrama e os inconfidentes são delatados.
- Prisões em Minas Gerais e Rio de Janeiro.
- Vários condenados à forca.
- Depois de uma carta de clemência da rainha Dona Maria, a condenação à forca transformou-se em expulsão do país, com exceção de Tiradentes.
- 21/04/1792: Tiradentes é enforcado.


|Inconfidência Mineira: a morte de Tiradentes
Na manhã de 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado como protagonista de um cenário típico das execuções do Antigo Regime. Entre os ingredientes desse cenário se incluíam a presença da tropa, discursos e aclamações à rainha. Seguiu-se a retalhação do corpo e o corte de sua cabeça, exibida na praça principal de Ouro Preto. (FAUSTO, 2012, p.65)

                A morte de Tiradentes é um mistério. Na verdade, Tiradentes é um mistério. Ele vivia em uma sociedade, ele pertencia a um contexto social, político e econômico, mas ninguém sabe quem é Tiradentes. Como assim? Qual cor da pele, qual tipo de cabelo, era alto, baixo e todas estas características. Não temos fontes sobre isto. Temos mais fontes sobre Antigo Egito sobre quem foi Tiradentes. O que de fato sabemos é que foi um inconfidente e que foi condenado à forca. E é por causa desta falta de fontes que há a construção da imagem desta personagem. Quando você lê um livro de História ou simplesmente põe no Google e digita ‘Tiradentes’, você terá acesso a vários tipos de faces.

O autor anônimo da Memória do êxito que teve a conjuração de Minas, por exemplo, testemunha ocular dos acontecimentos no Rio de Janeiro, refere-se constantemente à grande consternação dos habitantes da cidade. Obrigado a elogiar a rainha e sua justiça, o autor usa o artifício de personificar a cidade para exprimir seus sentimentos pessoais. A “cidade”, diz ele, nunca vira execução mais medonha e de mais feia ostentação. A notícia da condenação à morte de onze réus, dada no dia 19 de abril de 1792, abalou “a cidade”, que, “sem discrepar de seus deveres políticos (leia-se: de prestar lealdade À rainha), não pôde esconder de todo a opressão que sentia”. Muitas famílias retiraram-se para o campo, as ruas ficaram desertas, e “a consternação parece que se pintava em todos os objetos”. O anúncio do perdão de todos os réus, exceto Tiradentes, teve efeito oposto, mas não menos forte: “a cidade sentiu-se em um instante aliviada do desusado peso que a oprimia”. Encheram-se as ruas, povoaram-se as janelas, “muitos e muitos não sustinham as lágrimas”. (CARVALHO, 2014, p. 58)


|Inconfidência Mineira: a construção de um herói
                Para se construir uma sociedade, são necessários três pilares: Capital (dinheiro), Política/Liderança (para dirigir a sociedade) e Heróis (para a sociedade se sentir pertencente à nação, sentir orgulho). A partir do dia 15/11/1889 (Proclamação da República), busca-se um nome para ocupar como o HERÓI DA REPÚBLICA.

I. Marechal Deodoro da Fonseca: mas era militar demais para que pudesse ser visto como herói.
II. Benjamin Constant: mas não tinha figura de herói; não era nem líder militar nem popular.
III. Floriano Peixoto: as atitudes dele de pureza e bravura para os jacobinos eram vistas como sanguinários e despóticas pelos republicanos liberais.
IV. No Sul: líderes da Revolução Farroupilha. Mas faltava a estes a característica nacional.
V. No Norte: Frei Caneca.

                Mas o herói tem que ser do povo, tem que sentir o povo, sentir o cheiro do povo, saber o que o povo quer. E é nesse conceito que surge Tiradentes. E também é nesse conceito que surgem as imagens de Tiradentes, tendo como uma das principais a de Jesus Cristo.

Havia poderosa simbologia na luta entre Pedro I e Tiradentes. Sua expressão mais forte talvez esteja em artigo do abolicionista e republicano Luis Gama, publicado no primeiro número do jornal comemorativo do 21 de abril editado pelo Clube Tiradentes (1882). O título do artigo, “À forca o Cristo da multidão”, é uma referência direta ao poema de Castro Alves. Luis Gama leva ainda mais longe o paralelo entre Tiradentes e Cristo. A forca é equiparada à cruz, o Rio de Janeiro a Jerusalém, o Calvário ao Rocio. (CARVALHO, 2014, pp.61-62)


|A luta pelo nome de Tiradentes
- 1862: Tiradentes X D. Pedro I
                Este evento se dá devido à inauguração da estátua de D. Pedro I na Praça da Constituição (hoje Praça Tiradentes). Obs.: quem condenou Tiradentes à morte foi D. Pedro I. “Teófilo Otoni, o liberal mineiro líder da revolta de 1842, chamou a estátua de mentira de bronze, e a expressão virou grito de guerra dos republicanos” (CARVALHO, 2014, p.60). Inspirado em Teófilo Otoni, o liberal fluminense Pedro Luís Pereira de Sousa escreveu um poema que seria distribuído no dia da inauguração da estátua. Porém, a polícia apreendeu os folhetos. O poema foi republicado em Ouro Preto em 1888.

                                                Nos dias da cobardia
                                                Festeja-se a tirania
                                                Fazem-se estátuas aos reis.

- 1873: História da Conjuração Mineira, de Joaquim Noberto de Sousa Filho. “Noberto declarou-se contrário à idéia, por considerar Tiradentes figura secundária e discordar da representação do mártir vestido de alva, baraço ao pescoço, ‘como se o governo colonial quisesse eternizar a sua lição de terror’. Para justificar sua oposição, apressou a publicação do livro” (CARVALHO, 2014, p.62).

Noberto foi logo acusado de estar a serviço da Monarquia, de tentar amesquinhar a Inconfidência, de denegrir a figura histórica de Tiradentes. Ele respondeu em 1881, pelas páginas da Revista do Instituto Histórico, argumentando que se baseara exclusivamente nos documentos e que fizera obra de historiador e não de patriota, isto é, de observador isento e não de partidário apaixonado. (CARVALHO, 2014, p.62)

- 1882: artigo de Luís Gama (abolicionista e republicano) – ‘À forca o Cristo da multidão’, equiparando todo o acontecimento de Tiradentes com a morte de Jesus Cristo.

- 1890: 21 de abril e 15 de novembro foram declarados feriados nacionais.

- 1893: para as comemorações do 21 de abril, o Clube Tiradentes tentou encobrir a estátua de D. Pedro I, gerando manifestações. As comemorações foram canceladas.

- 1902: pensou-se em construir um monumento no local onde se julgava ser o de enforcamento. A Câmara Federal votou a lei em 1892 para desapropriar o local (hoje: Escola Tiradentes, Avenida Visconde do Rio Branco). O monumento foi construído em frente ao prédio da Câmara, sendo inaugurado em 1926, com o nome de Palácio Tiradentes.


|Por que Tiradentes foi o escolhido como herói?
Um dos fatores que podem ter levado à vitória de Tiradentes é, sem dúvida, o geográfico. Tiradentes era o herói de uma área que, a partir da metade do século XIX, já podia ser considerada o centro político do país – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, as três capitanias que ele buscou, num primeiro momento, tornar independente. Aí foi também mais forte o republicanismo e mais difundidos os clubes Tiradentes. O Nordeste, ao final do século XIX, era uma região em decadência econômica e política e não se distinguia pela pujança do movimento republicano. Além do mais, a Confederação do Equador também apresentara tintas separatistas que a maculavam como movimento nacional. Se é verdade que a Inconfidência tinha em vista a libertação de penas três capitanias, isso não se devia a qualquer idéia separatista, mas a um cálculo tático. Libertada as três, as outras seguiriam com maior facilidade.

Parece-me, no entanto, que há ainda outro elemento importante na preferência por Tiradentes. É possível que sua vantagem estivesse exatamente no ponto que Joaquim Noberto lhe criticava. Frei Caneca e seus companheiros tinham-se envolvido em duas lutas reais, em que houvera sangue e morte. Morreu como herói desafiador, quase arrogante, num ritual seco de fuzilamento. Foi um mártir rebelde, acusador, agressivo. Não morreu como vítima, como portador das dores de um povo. Morreu como líder cívico e não como mártir religioso, embora, ironicamente, se tratasse de um frade.

Tiradentes foi exatamente o contrário. O patriota virou místico. A coragem que demonstrou – era coraçudo, como dele disse o frade Penaforte – vinha, ao final, do fervor religioso e não do fervor cívico. Assumiu explicitamente a postura de mártir, identificou-se abertamente co Cristo. O cerimonial do enforcamento, o cadafalso, a forca erguida a altura incomum, os soldados em volta, a multidão expectante – tudo contribuía para aproximar os dois eventos e as duas figuras, a crucificação e o enforcamento, Cristo e Tiradentes. O esquartejamento posterior, o sangue derramado, a distribuição das partes pelos caminhos que antes percorrera também serviram ao simbolismo da semeadura do sangue do mártir, que, como dissera Tertuliano, era semente de cristãos.

Talvez esteja aí um dos principais segredos do êxito de Tiradentes. O fato de não ter a conjuração passado à ação concreta poupou-lhe ter derramado sangue, ter exercido violência contra outras pessoas, ter criado inimigos. A violência revolucionária permaneceu potencial. Tiradentes era “o mártir ideal e imaculado na brancura de sua túnica de condenado”. A violência real pertenceu aos carrascos. Ele foi a vítima de um sonho, de um ideal, dos “loucos desejos de uma sonhada liberdade”, na expressão do autor da Memória. Foi vítima não só do governo português e de seus representantes, mas até mesmo de seus amigos. Vítima da traição de Joaquim Silvério, amigo pessoal, o novo Judas. E vítima também dos outros companheiros, que, como novos Pedros, se acovardaram, procuraram lançar sobre ele toda a culpa. Culpa que ele assumiu de boa vontade. Congratulou-se com os companheiros quando foi comunicada a suspensão da sentença de morte, satisfeito por ir sozinho ao cadafalso. Explicitamente, como Cristo, a quem quis imitar na nudez e no perdão ao carrasco, incorporou as culpas, as dores e os sonhos dos companheiros e dos compatriotas. Operava pelo sacrifício, no domínio místico, a salvação que não pudera operar no domínio cívico.

Tudo isso calava profundamente no sentimento popular, marcado pela religiosidade cristã. Na figura de Tiradentes todos podiam identificar-se, ele operava a unidade mística dos cidadãos, o sentimento de participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, independência ou a república. Era o totem cívico. Não antagonizava ninguém, não dividia as pessoas e as classes sociais, não dividia o país, não separava o presente do passado nem do futuro. Pelo contrário, ligava a república à independência e a projetava para o ideal de crescente liberdade futura. A liberdade ainda que tardia. (CARVALHO, ,2014, pp.67-68)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, José Murilo de.Tiradentes: um herói para a República.In: A formação das almas. O imaginário da República no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2014.

FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, EDUSP, 2012.

MAXWELL, Kenneth .A geração de 1790 e a ideia do império luso-brasileiro.In: Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo, Paz & Terra,1999.

PRADO JR, Caio. História econômica do Brasil.

SODRÉ, Nelson. Werneck. As razões da independência.

Vídeo aula do Canal Parabólica: https://youtu.be/Ink0VvHBqmQ

Vídeo aula do Professor Admilson Costa.

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PESQUISA & TEXTO | Raphael Paiva
(Criador do Blog | Professor de História e Inglês | Responsável pela Correção Ortográfica)

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